Uma empresa lucrativa, do setor estratégico de energia e com R$ 14,5 bilhões em caixa, está sendo vendida pelo Governo Bolsonaro por R$ 60 bilhões. Faz sentido para você? Para economistas e especialistas do setor consultados pela Agência Saiba Mais, a resposta é NÃO.
Os dados acima são referentes à Eletrobras, que pode ser privatizada com a aprovação da Medida Provisória (MP) 1.031/2021 pela Câmara dos Deputados. A votação do projeto, que permite a privatização da empresa, está programada para as 15h da tarde desta segunda (21). Para o economista e pesquisador, Breno Roos, a União está cometendo um crime de lesa pátria.
“A empresa é estratégica e fornece um bem público, que deve ser objeto de coordenação do Estado. A Eletrobras está sendo vendida, justamente, por ser lucrativa”, critica.
A MP já tinha passado pela Câmara, em maio, com 313 votos a favor e 166 contra. Também foi aprovada pelo Senado na quinta (17) da semana passada com uma votação um pouco mais apertada de 42 votos favoráveis e 37 contrários à privatização. Os senadores acrescentaram 28 emendas ao projeto de privatização, cujo prazo de apreciação expira nesta terça (22), quando perde validade.
Dentre os parlamentares potiguares, a deputada federal Natália Bonavides (PT) já declarou o voto, antecipadamente, contra a privatização da Eletrobras na votação de hoje. Ela argumenta que a privatização resultará no aumento da conta de energia paga pelo brasileiro.
Segundo Hailton Madureira de Almeida, representante do Ministério de Minas e Energia em entrevista à TV Senado, a União e alguns fundos públicos que têm, atualmente, cerca de 65% das ações que dão direito a voto e controle sobre a empresa, teriam menos de 50% das ações, o que resultaria na perda de controle dos rumos da Eletrobras e do direito a voto.
Os críticos da privatização também afirmam que a venda da Eletrobras não criará um ambiente competitivo, porque ela será comprada por fundos internacionais. A Eletrobras gera hoje 30% da energia utilizada no país, além de ter 52% da água armazenada e 43% da capacidade de geração hidrelétrica, base de funcionamento do sistema brasileiro, que é quem determina o preço.
Apesar de ter R$ 14,5 bilhões em caixa, o dinheiro não tem sido investido pelo governo, segundo Ikaro Chaves, presidente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras, a por falta de vontade política em investir.
Pelo mundo
“Vendendo a Eletrobrás, nós vamos ser o único país de base hidroelétrica que tem a maioria do seu setor nas mãos da iniciativa privada. Evidentemente que vai ter aumento tarifário, não tenho nem dúvida. Essas térmicas não vão custar barato, as térmicas a gás geralmente custam por volta de R$ 250 a R$ 300 por megawatt-hora. O custo, quando o sistema está equilibrado, o custo das hidráulicas, sem usar essas térmicas caras, giram em torno de R$ 150. Ou seja, a energia que entrar vai custar o dobro do que custa hoje”, avalia Roberto Pereira D’Araujo, que é especialista em energia, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), em entrevista concedida ao jornal Hora do Povo, de São Paulo.
Na China, as hidroelétricas geradoras de energia são estatais, assim como nos Estados Unidos, cujas usinas pertencem ao exército norte-americano. Outros países como Índia, Rússia, Noruega e Suécia também não privatizaram seus sistemas de geração de energia. Enquanto isso, no Brasil, o plano do governo federal é concluir a privatização entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022. Essa é a terceira tentativa governamental de privatizar a estatal desde o anúncio da inclusão da Eletrobras no Plano Nacional de Desestatização (PND), em 2017, pelo então governo de Michel Temer.
Impactos no RN
Segundo a Cosern (Companhia Energética do Rio Grande do Norte), não há influência na venda da Eletrobras no preço cobrado pela energia no estado. Mas, de acordo com a avaliação do Sindicato dos Eletricitários do Rio Grande do Norte, a privatização resultará no aumento da tarifa.
Outro ponto que resultará em aumento no preço da energia, é a obrigatoriedade prevista na MP na contratação de outras fontes de energia, que acabam sendo mais caras, como termoelétricas.
“A empresa terá que investir na construção de termoelétricas e PC a gás em locais onde não há gás, nem gasoduto. Isso foi espalhado para o Brasil inteiro! Essas obrigações aumentaram quando o projeto foi para o Senado. Antes, a previsão era de investimentos em lugares específicos como o Norte e Nordeste. Isso resulta numa tarifa mais cara, além do tremendo impacto ambiental que vai na contramão dos processos de investimento no setor elétrico”, calcula Ari Azevedo.
Entre as preocupações trazidas pela possível privatização, está a falta de clareza em como ficará o gerenciamento das águas do Rio São Francisco que envolvem a Chesf, a operadora do sistema e a Agência Nacional de Águas (Ana).
“Afeta não só o Rio Grande do Norte, mas
como todo o Brasil. A MP traz uma medida
de descotização. O que é isso? É que
quando é construída uma hidroelétrica, na
composição da tarifa você também paga um
percentual do investimento que foi feito.
Então, a tarifa é mais cara. Já quando a
empresa é amortizada, como Chesf
(Companhia Hidroelétrica do São Francisco)
e Furnas, isso resulta numa redução no
preço da tarifa porque o consumidor não
pagará mais essa cota, apenas pela
manutenção e investimentos para manter o
sistema.”
Ari Azevedo, secretário geral do Sindicato
dos Eletricitários do Rio Grande do Norte.
Transposição do São Francisco
“As águas do São Francisco são para uso múltiplo: abastecimento humano, animal, agricultura e só depois é que vem a energia. Na crise de 2001, por exemplo, decidiram baixar a vasão do Rio, prejudicando a geração de energia, mas garantido o abastecimento de água para as cidades. A geração de energia foi uma preocupação secundária, mesmo assim, algumas geradoras provadas que já atuam por lá entraram na justiça para garantir a geração, em detrimento do fornecimento de água. Com a privatização isso pode piorar. Numa situação dessas em que a transposição ainda está incompleta para o Rio Grande do Norte, não há garantia de fornecimento de água, não se sabe como ficará a questão”, alerta Azevedo.
Pelo Termo de Compromisso assinado em maio pelos governadores dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, o RN passará três anos recebendo águas da transposição a custo zero. O que só será possível, porque a Paraíba passou três anos em teste e recebeu 160 milhões de m3 gratuitamente durante o período. Assim, o Rio Grande do Norte deveria receber o mesmo volume, também como forma de teste. Porém, com a privatização, não se sabe como ficará o acordo.
Como votaram os parlamentares do RN
Votação na Câmara dos Deputados em maio:
Benes Leocádio (Republicanos-RN) – Sim
Beto Rosado (PP-RN) – Sim
Carla Dickson (Pros-RN) – Sim
General Girão (PSL-RN) – Sim
João Maia (PL-RN) – Sim
Natália Bonavides (PT-RN) – Não
Rafael Motta (PSB-RN) – Não
Walter Alves (MDB-RN) – Sim
Votação no Senado:
Jean Paul Prates (PT-RN) – Não
Styvenson Valentim (Podemos-RN) – Não
Zenaide Maia (PROS-RN) – Não